11 janeiro, 2010

Dia 7 – Antofagasta – chegada do Dakar

Precisamos rodar uns bons 130 km pra sul de Antofagasta para ver a etapa da prova que vinha de Copiapó. O lugar escolhido: uma duna antes da chegada no meio de que? Do nada, é claro, afinal, estamos no deserto. E, neste, caso, diferente de San Pedro, que fica localizada nas alturas, um deserto dos muuuuito quentes. Uma coisa é interessante a respeito do deserto, como ouvi dos próprios chilenos enquanto esperávamos ali. As terras do deserto são de uso coletivo, todos podem desfrutar do espaço (que, diga-se é imenso), no entanto, há apenas a concessão do uso da terra, mas não a propriedade, como é o caso da enfiteuse no Brasil. Precisaria perguntar melhor, mas acho que escritura só existe nas cidades... O uso da propriedade e o desfrute do deserto ficou patente quando se estabeleceu tacitamente que os banheiros estariam localizados à direita dos carros. Esse negócio de banheiro no meio do deserto ainda seria tema de muito debate pelo caminho, mas comecei a acreditar que dizia respeito à liberdade (aliada à falta de estrutura) que o deserto proporciona. Mal havíamos acertado nosso acampamento particular, com churrasqueira e carne de “pavón”, quando uma tempestade-zinha de areia levantou nossa cobertura, transformou nossa carne numa milanesa sem ovos e quase nos mandou embora para casa, mas meia duna mais a frente conseguimos nos estabelecer novamente e esperar os brasileiros terminarem de passar (com direito a bandeira e tudo mais). Muito sol e quinze camadas de protetores diversos depois, voltamos para o acampamento oficial da prova para acampar em La Portada, onde já havíamos estado dois dias antes e onde seria a base oficial da prova pelos próximos dias. Terminamos o churrasco, agora sem milanesa, estreamos a barraca comprada na véspera e fomos dormir alta madrugada com vista para a cidade toda iluminada e ao som do gerador de uns argentinos sacanas que ficaram acordados até muito mais tarde que nós, enquanto debatíamos a possibilidade de afogar Buenos Aires com toda a água do Rio Paraná.

Dia 6 – Antofagasta (dia de descanso)

Intencionalmente ou por inércia, acabamos tirando o dia para resolver nossas pendências logísticas e comerciais, aproveitando que a cidade tinha estrutura para nos ajudar.
A passagem de volta entre Calama e Santiago não pode ser mudada, pelo menos não sem deixar nos cofres da Lan Chile o equivalente a uma nova passagem cada.

Parte histórica de Antofagasta

A maior parte do dia foi passada dentro do Mall Plaza, aparentemente uma rede de shoppings no país, com sentimentos que variavam entre a estupefação, empolgação e revolta com o tanto que nós somos extorquidos no Brasil. Descontei minhas frustrações no Taco Bell, que não encontrava havia 15 anos, desde quando ainda morava na Florida. Entre acessos de consumismo e o novo farnel no supermercado para os dias que se seguiriam, descobrimos que os chilenos não são, pelo menos não naquela região, pessoas multi-tarefas. É como estar no Nordeste do país dos outros (até geograficamente equivalente). Tudo é feito no seu ritmo, sem pressa, e para nós, paulistanos estressados, isso às vezes pode tirar a paciência até de um Jô brasileiro...

A cidade e as dunas
A cidade e o mar
A praça central

A noite foi de rearrumação de malas, pizza, mais “cervezas” (note que já havíamos criado um padrão) para levantar acampamento logo cedo e correr atrás do que havíamos ido ali pra fazer: ver o Dakar pelo último ano confirmado na América do sul.

06 janeiro, 2010

Dia 5 – Hornito, La Portada, Antofagasta


Há algumas conseqüências óbvias da falta de estrutura em uma praia como Hornito. Algumas delas só fomos descobrir com o raiar do dia. Pelo que pudemos observar, acampar é um programa bastante tradicional entre os chilenos, e eles não se contentam em levar somente o básico. Vimos famílias inteiras com mesas, geladeira, comemorando aniversários. Algumas tendas pareciam praticamente haréns no meio do deserto. Algumas tinham subdivisões internas, para que cada membro da família pudesse montar sua própria barraca. Pelo jeito também, é costume local levar tudo de casa, porque não se via sequer uma lojinha ou bar aberto, que dirá um camelô vendendo batata frita, picolé ou o que seja, como nas praias brasileiras.
Na praia inteira, somente um banheiro coletivo, em condições não lá muito higiênicas... A pergunta que não quis calar, neste ponto, foi “como estas pessoas todas fazem as suas necessidades já que o banheiro coletivo fecha às 9 da noite pra só reabrir no dia seguinte??”. A resposta só veio ao acordar, quando pudemos observar que várias das famílias tinham ao lado da barraca tendas/banheiros, que tive que fotografar por não saber explicar melhor, com vasos provavelmente de plástico, e com o produto sendo despejado aonde??? Exato! A idéia do que havia a alguns centímetros ou metros abaixo dos nossos pés foi suficiente para desmontarmos o acampamento e seguirmos para o próximo destino.Por isso, foi com muita alegria que encontramos pelo caminho La Portada, um monumento ao sul de Hornito e ao Norte de Antofagasta, onde formações rochosas que devem datar lá da Pedra Lascada criaram um portal de pedra natural em pleno mar, de 46 mts de altura e 70 mts de largura, onde é proibido acampar, entre outras coisas. Por ali, além de poucas pessoas, e, novamente, o comércio todo fechado, apenas uma dúzia de turistas desavisados, gaivotas, pelicanos, alguns leões marinhos perdidos e nós!Ficamos por ali, caminhando entre as formações rochosas, feitas principalmente de conchas, pelo que pude ver, até que a fome, o cansaço e o sol que queimava até o pensamento nos arrastasse até Antofagasta.Sendo a maior cidade da região, estrutura não foi um problema e depois de uma farta refeição no restaurante (caro) de uns chineses mal humorados, conseguimos achar um esquema hoteleiro diferente e perfeito para nós. Alugamos o que achávamos que seria um quarto para quatro pessoas, mas que para nossa surpresa era um apartamento inteiro de dois quartos, cozinha e banheiro (com ênfase neste último detalhe!) e acabamos alocando os seis viajantes por ali.À noite, o Festival de Teatro da cidade nos presenteou com a peça Firebirds, do grupo alemão Titanick, que se locomoveu pelas ruas da cidade, até terminar pirotécnicamente no pátio da estação ferroviária da área antiga e restaurada da cidade. Quase um Circo Du Soleil em pleno Deserto. Um refresco para os olhos e a alma, comemorado com cerveza Corona, papas fritas (nossa companhia mais freqüente) e muita risada até as 2 da manhã.

Dia 4 – Salar do Atacama, Peine, Mejillones, Hornito


Até empacotar a vida toda que estava espalhada pela pousada, já somava quase 11 da manhã quando nos despedimos de São Pedro. Em vez de fazer a rota padrão de São Pedro para Calama e então Antofagasta, resolvemos fazer uma rota menos óbvia e cruzar o Salar pela parte sul a caminho do mar, com uns poucos oásis perdidos à beira da estrada.Um coadjuvante bastante peculiar no deserto são as placas e sinais pelo caminho. É assim que descobrimos o número de habitantes de um determinado vilarejo e a altitude em que ele se encontra, dentre outros detalhes pitorescos. Foi assim que conseguimos descobrir que o vilarejo de Peine tinha pouco mais de 400 habitantes. Ali há, além do salar que cerca o lugar, uma formação rochosa que resulta em uma piscina natural de águas transparentes (e alguma sujeira no fundo, pois a comunidade usa o lugar para churrascos de domingo, como pudemos presenciar).O percurso cruzando o Salar e as minas de cobre pelo caminho foi o maior feito até então. O que se pode dizer de um percurso cruzando o deserto? A areia muda de cor, mas é, ainda assim, areia. Não se vê vida animal, vegetal ou humana até onde os olhos conseguem enxergar, e há horas de distância entre o contato com um lugar habitado e outro. No meio, somente o nada, que em algumas horas acalma e em outras desespera. Uma única parada estratégica num vilarejo a caminho de Antofagasta e alguns sorvetes depois foi com grande alívio que em duas horas, lá pelas 6 da tarde, enxergamos o mar. Ao invés de rumar diretamente para Antofagasta, resolvemos seguir para Mejillones, um balneário 65 km mais ao norte. Mal lembramos que era fim de domingo, pós feriado de ano novo, e não se via nada aberto na cidade, além do posto de gasolina e do banheiro público, sempre a 200 pesos por cabeça. Assim, rumamos um pouco mais ao norte até Hornito, para acampar na areia da praia (com outras 100 pessoas, porque aparentemente esse é um programa comum por aqui) sem luz, banheiros e, mais espantosamente, sem uma portinha de comércio aberta em toda a praia. Com um banquete de macarrão com sardinha pra matar a fome e muito vinho, dormimos vendo as poucas estrelas que estampavam o céu e com o vai e vem das ondas do mar de sinfonia.

Dia 3 – San Pedro (Geisers Del Tatio, Termas de Puritama, Machuca, Calama)

No deserto do Atacama, a altitude é um personagem dotado de características próprias. Durante o dia e dependendo dos passeios, você poderá variar dos 2400 mts da cidade até algo em torno de 4600 a caminho dos geisers. As sensações pro organismos desacostumados são das mais variadas, mas as mais comuns são falta de ar, náusea e dor de cabeça. Eu já tinha experimentado trabalhar a 3200 mts em Bogotá antes, então sabia que o que me esperava eram alguns dias sem fôlego pra subir nem ao menos três degraus seguidos...
Por este motivo e pelo frio de -9° C que nos esperava nos geisers (que funcionam unicamente ao nascer do sol, por isso o horário esdrúxulo para observá-los) que resolvi me juntar à metade da nossa turma que resolveu não ir. Eu já havia conhecido o Old Faithful, no Parque Yellowstone, anos antes, então minha curiosidade geológica já estava mais do que satisfeita. Assim, só posso transcrever que os que foram deixaram claro que NUNCA passaram tanto frio na vida.
Seguimos mais tarde para encontra-los diretamente nas Termas de Puritama, um conjunto de piscinas de água quente formadas naturalmente no cair de um rio, com uma estrutura bem organizada para receber os turistas que são despejados ali van atrás de van das 8:30 da manhã às 17:30 diariamente. O preço, mais salgado que os demais passeios ( 10.000 pesos), vale cada centavo depois que você encontra uma piscina de água quente e totalmente cristalina pra chamar de sua. Por isso, não vimos passar as 3 horas que ficamos por ali e só fomos sentir o estrago do sol bem mais tarde, pois o vento congelante que nos espera fora d’água não nos deixa perceber que nem todo o protetor solar do mundo salva de uma pelada dessas. Uma curiosidade deste lugar é que os banheiros não têm clarabóias, e sim um buraco no teto, já que nunca chove por ali.Com alguma relutância dos que já haviam passado por Machuca mais cedo e encontrado tudo fechado, rumamos para este vilarejo 30 km mais a frente das Termas, no caminho dos geisers para experimentar um churrasquinho de llama que servem por ali. Eu sei, elas são bonitinhas, mas ali estando.... O vilarejo tem 40 módicos habitantes, e fica a aproximadamente 4000 mts, com picos de 4200 mts pelo caminho. Eu, que não havia passado até então dos 3500 mts senti pela primeira vez náusea e dor-de-cabeça conforme subíamos. A falta de ar somente fazia com que eu considerasse seriamente a hipótese de abrir a boca pra falar, já que não dava pra fazer isso e também respirar. Por isso, preciso confessar que foi com certo alívio que chegamos a Machuca com tudo fechado e enfrentei novamente calada o caminho até os deliciosos 2400 mts da cidade.Banho rápido, um almoço corrido na agora já conhecida Casa de Piedra e rumamos no fim da tarde para Calama, para devolver o carro alugado e nos abastecer de dinheiro e mantimentos no supermercado e shopping da cidade. Dali em diante, seguiríamos num dos carros da turma, o que já estávamos fazendo desde a chegada, e que tornou o aluguel completamente desnecessário. Depois das dez, com a cidade fechada e as calçadas recolhidas em pleno sábado, a solução foi rumar de volta para São Pedro e jantar à meia noite do estoque dos mantimentos comprados e ir pra cama para poder levantar acampamento assim que o sol raiasse.

Dia 2 – San Pedro (Cejar e Licancabur)

Depois da epopéia do dia anterior, resolvemos por livre e espontânea inércia não nos mexer até depois do meio dia. Arrastei algumas coisas do armário para um solário muito bonitinho que ficava ao lado do rio, dentro do próprio hotel e tomei café da manhã escrevendo o episódio da véspera. Como não havia pão disponível na cidade ou qualquer lugar aberto onde se pudesse encontrá-lo, o negócio foi reciclar os da véspera junto com os mantimentos que felizmente havíamos trazido de Calama, e mais um restô da ceia. Como não conseguíamos chegar a um consenso a respeito do itinerário dos próximos dias, resolvemos focar no dia atual antes que ele acabasse. Com um mapa na mão seguimos para a Laguna de Cejar e Pietra, que não sei por que em todos os guias que encontramos, é mencionada como Cejas, com “s” no final...
As lagoas são, em outras palavras, buracos d’água cristalina que brota não sei de onde, mas que devido ao alto teor salino é impossível de se afundar. Mesmo que você não queira, você vai boiar! Portanto, o mais difícil mesmo é ficar em pé na água, porque os joelhos e pés sobem involuntariamente a todo instante. Outra curiosidade é que devido a este teor salino, qualquer nadador que ali adentre sai da água praticamente como uma picanha pronta pra churrasqueira. Fazendo o cálculo de sal no corpo mais sol do deserto, não é recomendável que se passe muito tempo por ali depois de sair da água, considerando que a única sombra que você vai achar é a do seu próprio carro e a prainha ao redor das Lagunas é feita de... sal, é claro! Ainda assim, a visita vale cada grama de sódio que ficará grudada em seu corpo até você voltar para a civilização, com suas roupas pinicando por conta dos pelos duros de sal que se enroscarão nela!

Devidamente salgados, tentamos várias rotas para chegar mais próximos do Vulcão Licancabur, aparentemente inativo, mas de uma rara beleza que pode ser vista de vários pontos da cidade. Depois de uns dois “nãos” por rotas proibidas, seja pelo perigo da altitude ou falta de segurança na estrada fechada e uma proposta indecente de pessoas locais para vendermos nosso combustível, chegamos aos pés do vulcão a 3250 mts de altitude, já nem passando tão mal assim, considerando o tempo de adaptação. Ao lado do vulcão um cânion de aproximadamente 20 mts de profundidade completa a paisagem de tirar o fôlego (considerando a altitude, às vezes literalmente). Muitas fotos depois, rumamos de volta a cidade já às 19 hrs, mas com sol ainda alto no céu, pra descobrir que o único posto de gasolina da cidade estava fechado por falta de combustível (!!!). Coisas de se esperar numa cidade deste tamanho, ainda que com tantos turistas motorizados por ali. Finalmente entendemos a proposta dos mocinhos da beira da estrada, mas como ainda não estávamos na reserva, rumamos para o hotel para o que devia encerrar a agenda de passeios do dia. Mas... Depois de muito debate sobre onde havia ido parar o jeans e o soft que eu havia colocado na mochila, descobrimos para meu muito contentamento, que eles haviam caído da dita cuja que foi carregada aberta enquanto íamos embora da laguna (com direito a fotos e testemunha, para contestar o argumento de que eu não havia colocado roupa alguma ali). Com o sol já baixando rumamos de volta para o salar/laguna, que diga-se, não é tão próximo assim, num carro popular alugado e adentrando o deserto em pleno cair do dia. Na entrada da Laguna havia um posto de guarda, então se estivesse por ali, eles deveriam saber informar. No entanto, nos esquecemos de vários itens básicos depois da discussão acalorada sobre as duas peças de roupa: primeiramente o juízo, de sair àquela hora pro meio do deserto, apesar de ser um caminho reto, a maior parte de asfalto, sem celular ou qualquer meio de comunicação que o valesse, num horário em que quase certeza tudo ali já estava fechado. Me arrependi várias vezes no caminho, mas foi difícil convencer o marido a voltar depois que ele já havia entrado no trecho “trilha” do resgate. A trilha sonora era apenas a respiração ofegante dos dois e um silêncio monumental, uma vez que no rádio só tocava salsa, e o ritmo não cai muito bem em rotas de perseguição... Chegamos lá com tudo fechado, nenhuma alma a uma distância de quilômetros, porém para meu choque e estupefação de brasileira, que conhece bem o país onde mora, minhas roupas estavam dobradinhas em uma pedra ao lado do posto de controle, aonde alguém havia deixado para que a dona as encontrasse. Sem tempo ou caneta para deixar uma nota de agradecimento e agora com noção do perigo, rumamos voando com um resto de sol se pondo por trás das montanhas e o Licancabur, muitas vezes durante o dia chamado de Nabucodonosor ou Tutancâmon, de testemunha. Às 21 horas cravadas, a hora do pôr-do-sol por aqui, estávamos de volta ao quartel general para compartilhar um estrogonofe improvisado que foi comido como o seria na Nigéria, considerando que não havíamos tido nenhuma refeição quente desde o almoço do dia anterior.
Juntadas a digestão da comilança e mais o descarrego coletivo e intenso acontecido na tarde, às 23 já havíamos mudado de idéia quanto a passear no centro da cidade e cada um caiu para o seu canto para acordar às 4 do dia seguinte e ver os gêisers ao amanhecer.

Dia 1 – Santiago – Calama – San Pedro de Atacama, or the Day that wouldn’t end

O dia um na verdade coincidiu com o dia 31 de dezembro. Saímos às 5 da manhã de Santiago para um vôo de duas horas até Calama.

Não acho que seria possível ter noção da dimensão do Atacama não fosse este vôo no nosso caminho. De um lado o Pacífico, do outro a Cordilheira e no meio... Nada! Ou quase nada... Ocasionalmente uma casinha ou uma pequena cidade aparecia fora da costa. Sendo conhecido como o deserto mais árido do mundo, não havia uma única nuvem que nos impedisse de ver a lua cheia se por no Pacífico enquanto por detrás da cordilheira vinha subindo o sol em pleno vapor.

Descer em Calama foi a primeira experiência surreal dentro das muitas que se seguiriam pelo dia. Além da pista propriamente dita por onde o avião desce e tem que taxiar, todo o resto do aeroporto é feito de ... areia!! Sendo um aeroporto pequeno, depois de descer, o avião faz meia volta pela mesma pista por onde veio e segue até a área de desembarque. A recepção, às 7:30 da manhã foi feita em forma de ventos que trincavam até o último osso do dedinho do pé e declarados 6° C, ainda que eu tivesse certeza que se tratasse de muuuuito menos. Pela única esteira do aeroporto todos os passageiros foram pegando suas malas, enquanto esperávamos sentados até que sobrássemos somente nós e algum grilo desavisado aguardando pelo mocinho que deveria nos entregar o carro alugado. Como a cidade é pequena, os agentes das empresas de aluguel de carro não fazem plantão no aeroporto, nem em pleno 31 de dezembro, principalmente porque todos os carros disponíveis na cidade já haviam sido locados. Contamos, pra nossa felicidade, com a ajuda dos 2 únicos agentes que estavam por ali pra ligar pro celular da pessoa responsável e apressá-la a chegar.

Lá fomos nós com nosso mais novo Toyotinha, procurar um mercado pra nos abastecer antes de seguir pra São Pedro, considerando que dados os últimos imprevistos, se nada mais desse certo, pelo menos teríamos o que comer até a noite.

Se pudesse descrever Calama, seria algo como uma Dubai de classe média. Um oásis no meio do deserto, e ainda assim com uma estrutura comercial bastante sólida. Pelo menos para viajantes de emergência como nós. Encontramos um bom supermercado e um shopping Center que equivaleria a qualquer um de São Paulo, compramos nosso café da manhã, um colchão inflável e dois sacos de dormir e partimos para São Pedro para encontrar nossos companheiros de viagem que vinham do Brasil até nosso ponto de encontro de carro. Nosso tempo de férias, porém, não permitiu que fizéssemos o mesmo.

No nosso caminho... deserto. Nenhuma novidade, considerando que já sabíamos onde estávamos nos metendo. Porém, pra quem nunca esteve em um deserto antes (eu já estive no Novo México, mas numa experiência totalmente diferente que não conta pontos aqui) não se tem idéia da dimensão do dito cujo até que se esteja lá no meio. Ele não termina nunca, e assim fomos acompanhados de dunas, erosões e outras modalidades de amontoar areia até nosso destino.

São Pedro do Atacama é uma cidade pitoresca (e acredito que neste caso, a palavra “pitoresca” tenha tido sua melhor utilização desde que eu a descobri na adolescência) de 1958 habitantes no meio do deserto. É uma São Tomé das Letras, que ao invés de ter sido contruída com pedras São Tomé, foi construída em adobe, no secume sem fim característico da região. As ruas são de areia e na rua principal, a Calle Caracoles, não se pode passar de carro. Assim, os turistas, que se apinham por ali vindos de todas as partes do mundo (mas naquele dado momento no tempo, principalmente do Brasil) caminham livremente por entre as lojas, e as tantas agências de turismo que pipocam por ali. Para uma cidade deste tamanho, a estrutura turística é incrivelmente organizada e há ótimas opções de restaurantes com atendimento bastante simpático. Como nossos companheiros estavam atrasados na chegada, achamos um canto bem bonitinho pra comer num restaurante chamado Casa de Piedra para fazer nossa primeira refeição que não saísse de um carrinho de aeromoça ou uma sacola de supermercado. Enquanto comíamos os funcionários do restaurante aprontavam um globo de discoteca que seria usado na festa de ano novo, mais tarde, junto com jogos de luzes coloridas que contrastavam drasticamente com as paredes de adobe e a cobertura de palha vazada que deixava um pouco da luz do sol do deserto entrar naquele espaço.

Foi com muita sorte, portanto, em pleno dia 31 de dezembro lotado de turistas, sem reservas de hotel, que achamos no 14º hotel, hostal ou camping, um chalé pra quatro pessoas, que convencemos a dona a alugar para nós seis. Nosso oásis particular àquelas alturas tinha dois quartos, uma cozinha e um banheiro com água quente. Tudo muito bonitinho e arrumado. Pegamos sem pestanejar.

Na cidade você achará opções que vão de campings de 7 reais por pessoa, até hotéis de 600 reais a diária, mas independente da sua opção de hospedagem, a não ser que você tenha ido até ali para ver a natureza única que circunda a cidade, não há muito mais que se fazer numa cidade de adobe e areia.

Assim, devidamente alojados no nosso cantinho, e depois de um cochilo de 2 horas, que seria o único sono que havíamos visto naquela jornada que já durava 32 horas, mas que ainda duraria mais 12, fomos para o Vale da Lua ver o último pôr-do-sol de 2009.

O Vale da Lua fica localizado 15 km para fora da cidade e tem este nome porque a natureza dali e da lua são algo muito próximo. A natureza do terreno faz parecer que você não está neste planeta, e sim em outro, como na Lua, em Marte, ou qualquer outro lugar aparentemente árido que você já tenha estudado na escola. Também como na lua, e segundo a guia do local, nada cresce e nada vive ali, nem animais peçonhentos ou inseto que se preze. Devidamente expulsos dali às 8 em ponto, por não haver luz que te guie para fora dali depois deste horário e cair em alguma daquelas crateras deve doer muito, paramos na descida da volta para ver a lua cheia nascer redonda e amarela por detrás do vulcão Licancabur, toda cheia de si, como toda lua que sabe ser a melhor coisa naquela hora da noite no meio do nada.

Como o dia não terminava, mas o ano sim, preparamos nossa ceia mais frugal desde que eu me conheço por gente que passa a meia noite acordada no ano novo. Queijo, uvas, abacaxi, melão, alguns pãezinhos e salame compunham a nossa ceia, junto com uma champagne que havíamos comprado no caminho em Calama, vinho, uísque e algumas outras opções etílicas. Resolvemos por celebrar duas vezes: às 11 horas, quando escrevemos e ligamos para os parentes no Brasil que já colocavam o pé direito no ano novo e depois novamente à meia noite local, junto com os outros chilenos e gringos que por ali se juntavam.

Para uma cidade deste tamanho a balada é algo mais próximo à Ibiza do que eu esperaria. Portanto, na rua principal, portinha após portinha anunciava naquela noite a sua festa particular. Acabamos entrando em uma cuja adesão não era cobrada. Já não devia me espantar a essas alturas quanto entre as salsas locais e as músicas eletrônicas que pontuam qualquer balada, espremeram nossa cultura mais rica, com o Melô do Jacaré ou o Bonde do Tigrão. Mas, como balada é balada e eu não estava muito crítica depois das já 42 horas tocando direto, conseguimos improvisar até alguma coreografia, que apontava os dedos para cada brasileiro que estivesse presente naquele espaço.

Foi assim que, aos 44 (horas) do segundo tempo e a pé, tomamos um banho quente e nos rendemos à cama. Não é necessário dizer que tudo isso foi feito a algo em torno de 2400 a 2800 mts de altitude e portanto foi sentido como se as 44 horas na verdade tivessem sido 88. Mas que cada uma delas valeu mesmo que tivessem sido 120!



31 dezembro, 2009

Almost there or a few first impressions

São 3:00 da manhã no Brasil. São 2:00 da manhã no Chile e o próximo vôo só sairá daqui mais 3 horas.
Eu consegui a maestria de reservar as poltronas bem em cima da asa do avião, o que dificultou ligeiramente, pra não dizer completamente, a vista da cordilheira enquanto cruzavamos a Argentina até o Chile.
Como não há mais vôos até Calama até as 5 da manhã, resta esperar mais algumas horas encostados pelo aeroporto, asim como outros 300 passageiros que disputam conosco as poltronas espalhadas pelo saguão do terceiro andar. Tentar dormir até que é possível, mas o aeroporto está em obras e há uma britadeira (ou será mais que uma?) trabalhando incessantemente perto daqui...
Pelo menos as poltronas não têm divisórias como no aeroporto de São Paulo e eu consegui duas cadeiras só pra mim!! Até cobicei uma terceira, mas tem uma gringa com cara de quem não vai arredar o pé dali.
Oh, well. Este é o espírito de aventura de querer se viajar em plena véspera de ano novo pra passar a virada do ano no meio do deserto do Atacama...
Aproveitando a santa conexão gratuita do aeroporto de Santiago pra desejar um 2010 de pés direitos, vacas gordas e muita paz de espírito pra todos que passarem por aqui!!

26 dezembro, 2009

A DOR DO PARTO

Maria Clara sempre foi avessa a preparativos para viagens. Não que ela não goste de viajar. Ela ama! Mas desde bebê o andar dos adultos que iam e vinham com os apetrechos típicos a fazia chorar até que alguém a enfiasse dentro da mala, literalmente. Devia ser a sua maneira de ter certeza que não seria esquecida...
Por isso, agora, aos dois anos e quatro meses, com os adultos correndo a preparar as malas e ela vendo tudo da escada enquanto brincava de pular os degraus e cuidava da fila de brinquedos trazidos pelo papai noel, a minha vontade foi de enfia-la na minha mala e correr de volta pra casa. Mas na verdade ela passará os próximos 15 dias na casa da vóvó e do vovô enquanto nós vamos tirar férias pela primeira vez fora do país sem ela. Já chorei metade do caminho de volta pra São Paulo enquanto escrevo este post e ainda tem uns 150 km até em casa...Falta muito pro teletransporte virar uma opção real de meio de locomoção??

06 novembro, 2009

La edad del cielo


Não somos mais
Que uma gota de luz
Uma estrela que cai
Uma fagulha tão só
Na idade do céu...

Não somos o
Que queríamos ser
Somos um breve pulsar
Em um silêncio antigo
Com a idade do céu...

Calma!
Tudo está em calma
Deixe que o beijo dure
Deixe que o tempo cure
Deixe que a alma
Tenha a mesma idade
Que a idade do céu...

Não somos mais
Que um punhado de mar
Uma piada de Deus
Um capricho do sol
No jardim do céu...

Não damos pé
Entre tanto tic tac
Entre tanto Big Bang
Somos um grão de sal
No mar do céu...

A original vocês acham aqui.
Um ótimo fim-de-semana a todos!

20 outubro, 2009

Palavrinhas e palavrões...

Filhota desembestou a soltar pérolas, agora que domina perfeitamente o básico do vocabulário pátrio:

Madrinha: Olha ali, que chique! (mostrando o prédio)

Filhota: Não é chique, é uma casinha!

Madrinha: !!!

***

Vovó tentou ensinar pra moçoila o que ela faz no Pilates. Filhota vem com uma bola de basquete, deita de barriga e jogando as pernas pro ar antes de se espatifar do chão diz pro pai:

"Papai, olha, tô fazenu Piátis!!"

***

Agora ela deu de falar expressões que nem desenho animado:

"Oh, não! Minha mamadeira caiu!", "Oh, não! Acabô o bicoito!

Vai pra Hollywood!!

Notinha de Rodateto...

Nenhum comentário que eu escrevesse sobre a semaninha de folga, vulgarmente chamada de férias, seria suficiente pra substituir as fotos abaixo. Então deixo que elas falem por si.

E boa semana a todos, porque aqui até meu computador estava às lágrimas (de chuva, que escorreu luminária adentro da minha sala no escritório) de me ver voltar.