Depois da epopéia do dia anterior, resolvemos por livre e espontânea inércia não nos mexer até depois do meio dia. Arrastei algumas coisas do armário para um solário muito bonitinho que ficava ao lado do rio, dentro do próprio hotel e tomei café da manhã escrevendo o episódio da véspera. Como não havia pão disponível na cidade ou qualquer lugar aberto onde se pudesse encontrá-lo, o negócio foi reciclar os da véspera junto com os mantimentos que felizmente havíamos trazido de Calama, e mais um restô da ceia. Como não conseguíamos chegar a um consenso a respeito do itinerário dos próximos dias, resolvemos focar no dia atual antes que ele acabasse. Com um mapa na mão seguimos para a Laguna de Cejar e Pietra, que não sei por que em todos os guias que encontramos, é mencionada como Cejas, com “s” no final...
As lagoas são, em outras palavras, buracos d’água cristalina que brota não sei de onde, mas que devido ao alto teor salino é impossível de se afundar. Mesmo que você não queira, você vai boiar! Portanto, o mais difícil mesmo é ficar em pé na água, porque os joelhos e pés sobem involuntariamente a todo instante. Outra curiosidade é que devido a este teor salino, qualquer nadador que ali adentre sai da água praticamente como uma picanha pronta pra churrasqueira. Fazendo o cálculo de sal no corpo mais sol do deserto, não é recomendável que se passe muito tempo por ali depois de sair da água, considerando que a única sombra que você vai achar é a do seu próprio carro e a prainha ao redor das Lagunas é feita de... sal, é claro! Ainda assim, a visita vale cada grama de sódio que ficará grudada em seu corpo até você voltar para a civilização, com suas roupas pinicando por conta dos pelos duros de sal que se enroscarão nela!
Devidamente salgados, tentamos várias rotas para chegar mais próximos do Vulcão Licancabur, aparentemente inativo, mas de uma rara beleza que pode ser vista de vários pontos da cidade. Depois de uns dois “nãos” por rotas proibidas, seja pelo perigo da altitude ou falta de segurança na estrada fechada e uma proposta indecente de pessoas locais para vendermos nosso combustível, chegamos aos pés do vulcão a 3250 mts de altitude, já nem passando tão mal assim, considerando o tempo de adaptação. Ao lado do vulcão um cânion de aproximadamente 20 mts de profundidade completa a paisagem de tirar o fôlego (considerando a altitude, às vezes literalmente). Muitas fotos depois, rumamos de volta a cidade já às 19 hrs, mas com sol ainda alto no céu, pra descobrir que o único posto de gasolina da cidade estava fechado por falta de combustível (!!!). Coisas de se esperar numa cidade deste tamanho, ainda que com tantos turistas motorizados por ali. Finalmente entendemos a proposta dos mocinhos da beira da estrada, mas como ainda não estávamos na reserva, rumamos para o hotel para o que devia encerrar a agenda de passeios do dia. Mas... Depois de muito debate sobre onde havia ido parar o jeans e o soft que eu havia colocado na mochila, descobrimos para meu muito contentamento, que eles haviam caído da dita cuja que foi carregada aberta enquanto íamos embora da laguna (com direito a fotos e testemunha, para contestar o argumento de que eu não havia colocado roupa alguma ali). Com o sol já baixando rumamos de volta para o salar/laguna, que diga-se, não é tão próximo assim, num carro popular alugado e adentrando o deserto em pleno cair do dia. Na entrada da Laguna havia um posto de guarda, então se estivesse por ali, eles deveriam saber informar. No entanto, nos esquecemos de vários itens básicos depois da discussão acalorada sobre as duas peças de roupa: primeiramente o juízo, de sair àquela hora pro meio do deserto, apesar de ser um caminho reto, a maior parte de asfalto, sem celular ou qualquer meio de comunicação que o valesse, num horário em que quase certeza tudo ali já estava fechado. Me arrependi várias vezes no caminho, mas foi difícil convencer o marido a voltar depois que ele já havia entrado no trecho “trilha” do resgate. A trilha sonora era apenas a respiração ofegante dos dois e um silêncio monumental, uma vez que no rádio só tocava salsa, e o ritmo não cai muito bem em rotas de perseguição... Chegamos lá com tudo fechado, nenhuma alma a uma distância de quilômetros, porém para meu choque e estupefação de brasileira, que conhece bem o país onde mora, minhas roupas estavam dobradinhas em uma pedra ao lado do posto de controle, aonde alguém havia deixado para que a dona as encontrasse. Sem tempo ou caneta para deixar uma nota de agradecimento e agora com noção do perigo, rumamos voando com um resto de sol se pondo por trás das montanhas e o Licancabur, muitas vezes durante o dia chamado de Nabucodonosor ou Tutancâmon, de testemunha. Às 21 horas cravadas, a hora do pôr-do-sol por aqui, estávamos de volta ao quartel general para compartilhar um estrogonofe improvisado que foi comido como o seria na Nigéria, considerando que não havíamos tido nenhuma refeição quente desde o almoço do dia anterior.
Juntadas a digestão da comilança e mais o descarrego coletivo e intenso acontecido na tarde, às 23 já havíamos mudado de idéia quanto a passear no centro da cidade e cada um caiu para o seu canto para acordar às 4 do dia seguinte e ver os gêisers ao amanhecer.
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