Em viagens, tem sempre um dia que é mais zicado que qualquer outro. O nosso foi este dia. Já acordamos com o ovo virado de ter que ir embora do Dakar agora que as coisas tinham começado a ficar boas. Numa tristeza danada demos nossos adeus, mas antes mesmo de poder sentar no ônibus e chorar as pitangas fomos avisados pela Tur Bus que o ônibus que pegaríamos não desceria até Tocopilla porque a estrada estava fechada por conta do rally. Na verdade, nós entendemos com isso que éramos os dois únicos passageiros e que eles acharam que não valia a pena descer a pirambeira da Serra Pelada que cerca Tocopilla pra pegar os dois manés que precisavam chegar a Calama sem falta para pegar o vôo pra Santiago. Acabamos contatando por indicação do hotel um taxista que além de falar português e mais umas 6 línguas, já tinha viajado o mundo todo (inclusive ao Brasil, onde ele dizia ter deixado algumas chicas chorando por ele).
Naquelas alturas e sem outra alternativa viável lá fomos nós no taxi preto e amarelo, aparentemente padrão em todas as cidades por onde estivemos. Don Jorge, que era uma cruza de chinês com italiana, dizia já ter trabalhado como pintor, mineiro, eletricista, mestre de obras, morou na Itália, no Brasil, nos EUA, falava inglês fluente (o que eu pude confirmar) e devia ter uns 150 anos por tudo o que disse ter feito. Nos serviu balinhas, colocou músicas americanas dos anos 70 e foi nos contando a história do Chile, da colonização da região, do deserto, durante as duas horas do caminho entre Tocopilla e Calama.
Nosso guia no deserto
O único senão é que o carro não tinha ar condicionado e era preto que só, então conforme avançávamos de volta para o deserto, a sensação de sauna seca era cada vez mais inevitável. Ele nos explicou sobre a extração de cobre na região, que os chineses que víamos pela região chegaram ali para a construção das ferrovias, que as cidades foram construídas ali baseadas no velho oeste americano (e assim foram esquecidas), que os mineiros ganhavam em torno de 50.000 reais por ano, mais adicionais de insalubridade, que Bernardo O’Higgins, presente nas placas de várias das cidades por onde passamos, foi o libertador do país das mãos dos espanhóis no século 18, e por aí foi nossa conversa, só interrompida quando ele renovava seu cheiro com algumas gotas de um perfume “Kenzo” comprado dos camelôs que pipocavam na avenida central de Tocopilla (o primeiro lugar em que os vimos, aliás).
Mas, como dia de uruca vai até o fim, tivemos que esperar uma hora no saguão do aeroporto até que nossas malas fossem trazidas para a esteira no aeroporto de Santiago, e, ao finalmente chegar ao hotel que havíamos reservado, demos conta do engodo em que havíamos nos metido. Eu já devia saber que íamos ter problemas quando vi a placa de “Welcome backpackers” na entrada, mas resolvi ter um pouco de fé na humanidade, já que era 1 hora da manhã de um longo dia de trânsito. As fotos do hotel e a informação vendida pelo site e pelas revistas de turismo que vimos não tinham nada a ver com a pocilga que encontramos na nossa frente. Além do quarto ser sujo e cheirar a mofo, tinha uma banheira para anões, que supostamente é o local pra ser tomar banho e uma internet que só funciona na propaganda. Fomos dormir com raiva da enganação que ainda nos sairia por R$ 103, dispostos a resolver o problema assim que o sol raiasse.
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