12 junho, 2008

Chegadas e Partidas


Dia estranho pra morrer...

Dia dos namorados, véspera de Santo Antônio, e pra calhar, ainda era feriado na cidade onde morava.

Ela nasceu assim, lá na roça, onde ficou ainda um bom tempo depois que parou os estudos. Afinal, moça da roça naquela época tinha mais é que se casar. Ele a conheceu num trem, no meio da segunda guerra, enquanto ele, italiano, fugia de ser testemunha de uma briga de japoneses, todos inimigos do país à época. Ele prometeu que se fosse encontrá-la e ela estivesse na estação, casava com ela. Casaram-se depois de um mês. Mais tarde me confidenciou que todos ficavam pela estação naquela época, vendo as chegadas e partidas. Era o ponto de encontro.

Tiveram uma vida difícil, tendo e criando os filhos pelas muitas cidades por onde estiveram até se estabelecerem no interior do Paraná. Nunca sobrou muito, mas ao final teve suficiente pra família engordar e fazerem 9 netos.

Dizem que quem a criou foi uma tia, de quem herdou uma frase em espanhol que falou pela vida a fora. Mais ainda perto do final.

Um dia o brilho nos olhos foi embora. Ninguém entendeu direito, até que ela começasse a perguntar a cada 2 minutos se eu não queria tomar o leite que eu já tinha tomado. Depois foi meu nome que ela não lembrava mais. E por fim, o caminho de casa, quando não pôde mais sair desacompanhada. Isso foi há mais de dez anos.

Seguidos vieram o caminhar que cessou, a memória recente, depois a distante, depois a fala. E fez-se o silêncio, quebrado por um murmúrio ou outro que fizesse sentido e pela nossa agonia em saber o que se passava do lado de dentro, onde não víamos nem podíamos alcançar.

Quando não havia mais nada a perder, aina perdeu os movimentos dos membros que atrofiaram, os dentes que restavam e a alimentação, que passou a ser enviada direto para o estômago.

Ano passado, perdeu também o marido. Não que ela ainda lembrasse que tinha um. Talvez. Nunca saberemos.

E finalmente, hoje, foi embora de um corpo que não tinha mais nada para oferecer a ela.

Vai em paz, vó! Que você possa descansar destes anos tão sofridos pra você e pra todos nós que vimos o seu fenecer com tão pouco a fazer.

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