31 julho, 2008

A dona do quarteirão


Todos os dias ela está lá, sentada naquele mesmo quarteirão.
Seus cabelos brancos e sulcos no rosto denunciam os tantos anos já vividos. E ainda assim, todos os dias ela está lá.
Ninguém sabe bem como ou quando começou, mas a senhora está sempre ali, prostrada entre canteiros de flores, beirais de muros, e ali conversa com o mundo. Sim, com o mundo. As paredes, as motos, as pessoas que passam. Ninguém que ela de fato conheça.
Muito tempo se passou em que eu observava o triste ballet, até que a visse mais de perto e entendesse que ela passava os dias a controlar o tráfego que passa por ela. Mandando carros irem, virem, pararem, até que o sol se ponha e com ele, ela também se recolha para retornar à sua função no dia seguinte.
Com roupas sóbrias, mas nunca puídas, imagino que ela tenha uma casa, talvez até uma família que vai para casa almoçar e jantar. Que tem noção ainda da ordem das coisas.
Criei certa fascinação pela senhorinha, vendo nela um pouco de cada um de nós. Imaginando quem seria ela, que vida teria tido, e como chegou ali, a controlar quixotescamente seus próprios moinhos.
Ela se veste de acordo com o clima, demonstrando ainda alguma razão com o mundo. Fala com alguma eloqüência, demonstrando também algum estudo. Que voltas do mundo a levaram até ali, e quantos moinhos ainda enfrentará até que nem os moinhos enxergue mais?

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